segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Nigeriano é referência na discussão sobre clima

Debate do Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas mostra que contribuição africana ao estudo da climatologia nos trópicos tem peso na geografia brasileira

Lunde Braghini Jr, Jornalista, mestre em Comunicação Social (UnB)

Ao examinar "O clima e o homem", 13º capítulo de Introdução à climatologia para os trópicos, do geógrafo nigeriano J.O. Ayoade, não pude deixar de me lembrar de dois episódios na Universidade de Brasília (UnB). Um deles foi o "solene não" que, na década de 90, André Luiz Ferreira, depois professor universitário em Cuiabá, recebeu da doutora em sociologia que se recusou a orientar uma tese sobre a "sociologia do desconforto climático" que ele acalentava realizar. Àquela altura da vida, alegou a professora, ela não empenharia seu "prestígio acadêmico" numa empreitada como aquela. Muito estudioso, é possível que André já conhecesse o estimulante trabalho de Ayoade, datado de 1983 e sucessivamente editado no Brasil, onde figura com destaque em bibliografias de disciplinas de geografia, biologia e ecologia.
A proeminência social e política dos problemas climáticos no início do século XXI tem feito os jornalistas (esses "especialistas em especialistas", no dizer de Salomão Amorim, mais que "especialistas em generalidades") se mexerem na descoberta de "fontes especializadas" que ajudem a compreender os fundamentos e a racionalidade das causas e efeitos em questão. Em parte por isso, o público brasileiro não especializado começa a conhecer o nome do climatologista J.O. Ayoade. A climatologia, uma disciplina específica da geografia, trata dos padrões de comportamento da atmosfera, verificados durante um longo período de tempo, e também de suas relações com a hidrosfera, a litosfera e a biosfera.
No dia 10 de fevereiro de 2008, J. Olaniyi Ayo-ade, juntamente com Aziz Ab’Sáber, foi um dos especialistas entrevistados pelo jornal "Correio Bra-ziliense", que fazia o trabalho de repercutir e discutir as informações do relatório do Painel Intergo-vernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Na matéria é dito que Ayoade " tem várias pesquisas nos campos de climatologia teórica e aplicada", e que "sua obra mais famosa - Introdução à climatologia para os trópicos, ed. Bertrand Brasil - está na 11ª edição e já foi adquirida por mais de 10 mil brasileiros desde o lançamento no país, em 2004".

À parte o equívoco quanto à data (há uma edição, da Difel, de 1986) de lançamento no Brasil, as informações impressionam, uma vez que dão conta do reconhecimento no Brasil da obra de um professor universitário africano - aspecto esse que me leva ao segundo dos episódios a que me referi. "As pessoas não gostam de ouvir isso", disse Milton Santos, numa de suas visitas à Universidade de Brasília, no fim dos anos 80, quando seu nome começava a ser conhecido do público universitário mais amplo, "mas a universidade africana é muito competente". Nunca me esqueci do comentário do geógrafo brasileiro, que passou temporadas acadêmicas em universidades africanas, me parece que na Tanzânia e no Senegal.
A frase de Milton Santos ataca a nossa imensa ignorância do universo acadêmico e intelectual africano. Para se ter uma idéia, o Departamento de Geografia da Universidade de Ibadan, na Nigéria, onde Ayoade é professor, existe desde 1948, tendo formado seu primeiro doutor em 1966. Primeiro de 69 formados até 1997, segundo dados disponíveis na internet (www.ui. edu.ng): 41 em geografia humana e 28 em geografia física. Num site de Portugal (http://www.universia.pt/) é possível encontrar entradas (links) para 121 universidades africanas, como a de Ibadan, uma das cinco relacionadas na Nigéria.

Publicada sob a coordenação editorial de Antonio Christofoletti, a edição brasileira do livro de Ayoade - autor também de obras mais recentes como Introduction to agroclimatology (2002), Climate Change (2003) e de uma segunda edição de Introduction to Climatology for the Tropics (2004) - contém uma avaliação que extrapola o mero objetivo publicitário de valorizar a obra. "Introdução à climatologia para os trópicos", lê-se, "é contribuição significativa para a formação científica, e a ausência de exemplos brasileiros não é óbice para desmerecer sua qualidade e utilidade para o público brasileiro".

A frase merece ser frisada porque, ao considerar a avaliação da utilidade da informação científica selecionada para circular, presta atenção a circunstâncias objetivas que ligam Brasil e África e que deveriam animar o diálogo entre os que refletem aqui e lá. Mas também contém, implícito, todo um programa que marca um ideário de afirmação, autonomia e independência científica, centrado na idéia da contribuição universal que se pode dar à ciência a partir do conhecimento das circunstâncias específicas.

Reconhece-se, com a leitura desse livro, o esforço de Ayoade de discorrer sobre os princípios fundamentais da climatologia "tendo em vista as necessidades dos leitores dos trópicos", as quais, escreve o autor no prefácio da obra, "têm sido geralmente bem atenuadas pelos textos ou manuais escritos por autores de latitudes médias principalmente para os leitores dessas mesmas partes do mundo". Escrito também com o objetivo de descrever e explicar de modo não matemático os processos atmosféricos e os sistemas climáticos, o livro de Ayoade tem grande mérito literário em termos de divulgação científica e culmina com uma discussão instigante sobre as relações entre os seres humanos e os sistemas atmosféricos.

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